COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA

Marshall Rosenberg nos presenteou com uma compreensão didática de como pode ser a comunicação humana.
A proposta da Comunicação Não-Violenta (CNV), quando praticada, nos permite mergulhar em um processo de compreensão das necessidades humanas que mobilizam nossas ações.
O estudo e a prática da CNV é facilitado quando nos aprofundamos nos quatro passos que compõem a proposta. É muito importante verificar que a nossa comunicação não se dá mecanicamente em quatro passos. Estes são referências didáticas, pedagógicas. Podemos assistir à dança dos passos conforme ampliamos a compreensão da CNV. São eles:

observação: reconhecer julgamentos; no lugar da avaliação e interpretação dos fatos, ampliarmos nossa capacidade de observação;
sentimentos: diferenciar sentimentos de não sentimentos ou pseudossentimentos, buscando conexão com sentimentos e emoções que são as principais pistas do que está verdadeiramente sendo mobilizado;
necessidades: etapa da empatia e da autoempatia. Quais são nossas necessidades e as do nosso interlocutor? O que de fato nos mobiliza a agir e compreender o ocorrido? Nossas necessidades estão ou não sendo atendidas?;
pedidos: a partir dos passos anteriores, temos mais chance de obter os elementos necessários para estabelecer diálogos que permitam esclarecer nossas vontades e compreender melhor o outro e suas vontades.

Podemos dizer que não possuímos controle sobre o que o outro fala, nem sobre o que ele escuta. No entanto, podemos ampliar o controle sobre o que falamos e o que escutamos. Nossa comunicação é como um músculo que precisa ser exercitado!
Cada um desses passos se baseia nos alicerces do nosso funcionamento psíquico, veja como:

OBSERVAÇÃO
A percepção é um processo pelo qual nós, indivíduos, organizamos e interpretamos as situações e as nossas sensações. Por intermédio desse processo, damos sentido ao ambiente (Robbins, 2006). Nós, Homo sapiens, possuímos uma capacidade cognitiva que nos confere formas específicas de nos relacionarmos com o ambiente. Elas se dão pelo modo com o qual percebemos o meio e construímos significados.
A mente humana “nos permite ver, pensar, sentir, interagir e nos dedicar a vocações superiores, como a arte, a religião e a filosofia” (Pinker, 1997). Somos capazes de esquecer coisas, dar sentidos distintos a objetos e fenômenos e construir realidades individual e coletiva (Sternberg, 2009; Harari, 2009).
Nossa percepção sofre inúmeros vieses (tendências ou propensões), aos quais devemos ficar muito atentos. Kahneman nos permite verificar que somos regidos por dois sistemas de pensamento. Em Rápido e devagar: duas formas de pensar (2012), o autor nos auxilia na compreensão de que somos regidos por dois sistemas de raciocínio: o Sistema 1 – rápido intuitivo e inconsciente – e o Sistema 2, lento, deliberado e inconsciente. Este está entre as “coisas” que nos diferenciam dos outros seres vivos e conferiu vantagens na evolução da nossa espécie. Juntos, porém, representam desafios para nossas relações e nossa vida em sociedade.
Na CNV, o exercício da observação requer que ativemos o Sistema 2 e controlemos o Sistema 1. Isto significa tentar observar o que realmente acontece em determinada situação sem praticar julgamentos automáticos ou acreditar em nossas primeiras intenções.
Tendemos a interpretar os acontecimentos ao invés de nos aproximarmos deles e minimizar nossos julgamentos. Superar isto não é um exercício fácil. Sempre que lemos um relatório ou conhecemos uma pessoa pela primeira vez, tendemos a interpretar as informações de acordo com nossos interesses ou experiências pregressas. Assim, muitas vezes, analisamos resultados de modo diferente do colega de trabalho de outro departamento ou assumimos determinada interpretação da ação de outra pessoa sem termos a menor certeza das suas intenções. Só o jeito como se veste já nos faz pensar que tipo de pessoa é. Somos máquinas feitas para nos defendermos e garantir nossa sobrevivência e, em muitos contextos, vemos o mundo de acordo com perspectivas limitadas a interesses individuais, ignorando os coletivos.
Vale lembrar que não há como não julgar e o julgamento, em alguns casos, é etapa importante para tomar decisões. Contudo, o esforço de compreensão dos nossos vieses pode auxiliar a compreendermos melhor nossos problemas, contextos e opções.
Aqui está nosso desafio! Como nos relacionar com o outro, buscando controlar julgamentos, mesmo sabendo que julgar é um ato automático? O exercício da observação pede atenção e consciência da intenção e seus resultados. Quantas vezes não perdemos a oportunidade de reinterpretar mensagens para respondermos mais ponderadamente?
Como fazemos isso? Ativando nossa inteligência emocional para lembrarmos que nossas interpretações nem sempre são acuradas. O que podemos ver em uma situação que não é exatamente o pensamos ser? Será que o visto e o escutado merecem outras interpretações? O que de fato vemos?

SENTIMENTOS
O que são sentimentos e emoções e qual a importância deles para nossa vida?
Em primeiro lugar, sentimentos e emoções conectam-se diretamente com nossos comportamentos, pois reagimos em acordo com eles. São sensações que, somadas a lembranças e processos de pensamento, se relacionam diretamente com decisões tomadas em termos comportamentais. Às vezes conscientes, às vezes inconscientes ou automáticas, muito do que escolhemos realizar se relaciona a um encadeamento de fatos que passam pelo que sentimos e pensamos.
Emoções e sentimentos podem ser chamados de “faces de uma mesma moeda”!
Reações cerebrais a estímulos ambientais, as emoções estão primordialmente presentes na formação do nosso cérebro, não sendo exclusividades da vida humana. Como reações primárias, relacionam-se intimamente com efeitos no nosso corpo. Alegria, raiva, tristeza, surpresa, desprezo, medo e aversão figuram na lista das sete emoções básicas (Ekman e Friesen, 1968). As emoções são heranças evolutivas, portanto, comportamentos adaptados por muitas gerações para garantir o desenvolvimento de respostas adequadas a determinados estímulos. Dessa forma, se relacionam francamente com nossa sobrevivência. Uma expressão de medo pode garantir uma fuga. Uma cara de nojo pode sinalizar uma comida estragada. As emoções se constituem em reações rápidas e de difícil controle. Podemos até aprender a controlar como manifestá-las, mas pouco controle temos no que se refere ao seu desencadeamento.
Já os sentimentos resultam de experiências emocionais. Mais elaborados, dependem da cognição e respondem a acontecimentos e emoções com maior complexidade. Compreender o que sentimos é um exercício de autoconsciência. Requer aperfeiçoar nosso vocabulário de sentimentos e a conexão com o que de fato nos acontece.
Compreender nossas emoções, especialmente nossos sentimentos, requer alguma sofisticação no sentido de ampliarmos a consciência do que sentimos e qual a relação disso com o modo como nos comportamos.
A proposta da CNV nos leva a pensarmos sobre os sentimentos diferenciando o que Marshall chama de não-sentimentos, ou pseudossentimentos, dos sentimentos. Isto significa que nossos sentimentos não podem ser de responsabilidade externa a nós, ou seja, ninguém pode ser responsabilizado pelo modo como uma pessoa se sente. A diferença entre sentimento e não-sentimento inicialmente pode parecer sutil, mas com treino, aos poucos vamos nos acostumamos a perceber o abismo que há entre sentir-se triste e ignorado ou entre sentir raiva e sentir-se traído. Sentir-se ignorado ou traído pressupõe dois equívocos: 1) o outro fez algo com a intenção de nos causar um dano; 2) o outro controla nossas emoções. Ora, tanto depender do outro para pensar nos nossos sentimentos quanto achar que o outro vive em nossa função são ilusões desempoderadoras.
A abordagem da CNV convida a nos conectarmos conosco, entendermos nossas emoções nos tendo como lugar de controle. Assim, podemos exercitar o olhar para nós mesmos. Entender o que nos faz felizes ou tristes em cada situação, ampliar o entendimento das nossas emoções e navegar pelos sentimentos a ela relacionados – podendo, então, dar os próximos passos da CNV: autoempatia, empatia e diálogo, sobre os quais falaremos em breve.
Por último, mas não menos importante, conforme trabalhamos nossas emoções e sentimentos no nível da consciência, ampliamos nossa atenção para compreender também nossos comportamentos. Este é um processo de ampliação da consciência de como funcionamos, o que queremos e o que escolhemos. Então, podemos dizer que a CNV nos auxilia no desenvolvimento da nossa inteligência emocional.

EMPATIA
Segundo Marshall Rosenberg, “As necessidades podem ser vistas como recursos que a vida precisa para se sustentar. Todos os seres humanos possuem as mesmas necessidades”. A empatia refere-se ao entendimento das nossas necessidades e as dos nossos interlocutores. Significa “dar atenção”, “entender”, “compreender”.
A palavra atenção vem do latim, attendere, “alcançar”. Define perfeitamente o focar no outro, a fundação do conceito de empatia – conceito-chave da CNV – e da habilidade de construir relacionamentos sociais.
Empatia é quando aprendemos a observar mais do que julgar, discriminar sentimentos de não-sentimentos, estabelecer mais conexões com nossas emoções e sentimentos e também com as emoções e sentimentos dos outros. Isso possibilita empatizar, ou seja, entender o que acontece, que necessidades estão ou não sendo atendidas.
A empatia nos permite usar as palavras como pontes, e não muros. Pontes e muros? Sim, esta metáfora esclarece a proposta da CNV. As palavras são como tijolos, e, dependendo de como as utilizamos, tornam-se pontes que conectam ou muros que separam.

PEDIDO
A arte da comunicação possui várias abordagens. Na CNV e no Método Harvard de Negociação, há algumas premissas para dialogar e negociar.
A primeira delas encontra-se no propósito da abordagem, baseada no ganha-ganha: “quando um perde, todos perdem”.
Outro detalhe igualmente importante é que este tipo de comunicação não abrange a pretensão teórica da manipulação.
Também não podemos ser ingênuos. É importante considerar que muitas pessoas se utilizam de estratégias trágicas para atenderem suas necessidades. Infelizmente!
Um ponto de destaque está na capacidade de a abordagem permitir a criatividade que pode gerar a tão desejada inovação.
A compreensão mútua das necessidades, através da evolução das práticas da autoempatia e empatia, escuta ativa e diálogo, pode desencadear processos de busca de resultados que atendam a múltiplas necessidades, de diversos interlocutores ou do bem comum.
Não é exatamente natural ao ser humano pensar no bem coletivo à despeito de interesses individuais. Ao mesmo tempo, temos a capacidade de considerar o outro, especialmente porque nosso bem-estar, muitas vezes, pode se relacionar com o bem-estar coletivo.
Podemos ser mais sofisticados. Resta praticar!

E você? Onde consegue incluir o bem-estar coletivo como motivador das suas escolhas? Você faz isso mesmo ou permanece focado apenas nos efeitos individuais das suas escolhas?