Psicodélicos: promessas e preocupações no enfrentamento dos desafios de saúde mental

Flávia Feitosa

01 de setembro de 2023

Os psicodélicos estão saindo da condição de substâncias marginalizadas e perigosas para as capas de revistas, jornais e mídias sociais com um toque de esperança para os tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Estamos diante de uma ampla produção científica que retomou os patamares dos anos 1950, superando a marca de um artigo por dia desde 2020.

O termo “psicodélico” carrega dois conceitos: “psico”, que significa mente, e “delos”, que seria manifestar a mente, portanto, “manifestar aspectos da mente”, o que denota o potencial terapêutico dessas substâncias. Compreender a mente humana sempre foi um tema de interesse das sociedades humanas, desde os grandes filósofos, e da ciência. Com o nascimento da Psicologia há pouco mais de um século, foram desenvolvidas várias abordagens terapêuticas, todas muito interessadas em compreender como pensamos e nos comportamos. Parece que hoje, com os psicodélicos, estamos com uma ferramenta com potencial de acelerar essa compreensão, as possibilidades de intervenção e, principalmente, a melhora da qualidade de vida e bem-estar psicológico das pessoas.


Vivemos em uma realidade alarmante, com
a ampliação do enfrentamento de problemas de saúde mental como depressão, distúrbios alimentares e do sono, vícios, traumas e suicídio, como exemplos. Dez por cento da população mundial sofre hoje de algum transtorno mental. Dezenove milhões de brasileiros sofrem de depressão e ansiedade e, neste quesito, nosso país é o campeão mundial. Para piorar, 50% das pessoas diagnosticadas com depressão apresentam resistência aos medicamentos, portanto, não obtêm resultados satisfatórios com as possibilidades medicamentosas existentes. Também no Brasil, 5% da população, cerca de dez milhões de brasileiros, sofrem com distúrbios alimentares; no caso da população jovem, podemos falar em 20%. O câncer mata mais de sete milhões de pessoas por ano no mundo; destas, quatro milhões sucumbem à doença em idade prematura, entre 30 e 69 anos, com estresse e sofrimento aumentados com o enfrentamento prematuro do fim da vida. Temos, ainda, pelo menos outros dois desafios de saúde mental e pública: a incidência do Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), que afeta, aproximadamente, 9% das pessoas do planeta em algum momento de suas vidas, incluindo a infância (transtornos de estresse agudo e pós-traumático em crianças e adolescentes) e o suicídio. A cada minuto, o mundo enfrenta ao menos uma morte por suicídio e, para cada suicídio, há pelo menos outras 20 tentativas. São quase 800 mil pessoas por ano escolhendo acabar com a própria vida. Em países menos desenvolvidos, esses índices só aumentam.

Apesar de proibidas por questões mais políticas do que científicas, as substâncias psicodélicas voltaram à cena e hoje fazem parte do que muitos têm chamado de Renascença Psicodélica. Após o enfrentamento do proibicionismo que afetou pesquisas e tratamentos por mais de três décadas, gerando o maior exemplo de preconceito contra um medicamento da história da medicina, a retomada das pesquisas deve-se, principalmente, aos trabalhos realizados pela Multidisciplinary Association Psychedelic Studies (MAPS); pela Beckley Foundation, criada e sustentada, até hoje, pela condessa Amanda Feilding, considerada a Rainha dos Psicodélicos, que já conseguiu mais de 80 milhões para suas pesquisas; pelo Imperial College London; pela John Hopkins Psychedelic Research Unit que, junto a Rolland Griffiths, teve importante papel ao realizar pesquisas com veteranos de guerra, que ainda representam um dos maiores problemas de saúde pública dos Estados Unidos, e com pacientes terminais de câncer.

Entre os psicodélicos, têm-se as seguintes substâncias: MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina, originária do êxtase); LSD (dietilamida do ácido lisérgico); Psilocibina (oriunda dos denominados cogumelos mágicos); DMT (dimetiltriptamina, presente na Ayahuasca); Ibogaína; Cetamina.

Em geral, os estudos com essas substâncias investigam as experiências subjetivas e místicas que ocorrem sob o efeito delas, procurando observar a relação entre doses, experiência subjetiva e desfechos clínicos; comparar os efeitos subjetivos; investigar os mecanismos de ação e alterações em redes neurais; aprofundar os conhecimentos sobre as alterações sinápticas, a neuroplasticidade e os efeitos nas inflamações que sabemos serem responsáveis por várias doenças. Além disso, há diversos estudos sobre os potenciais efeitos dos tratamentos com psicodélicos nos comportamentos e nas percepções das pessoas que estão, principalmente, aprofundando-se, com otimismo, nos resultados para tratar ansiedade e depressão perante a morte, depressão resistente, transtorno obsessivocompulsivo (TOC), etilismo, tabagismo, transtorno dismórfico corporal (TDC), anorexia e TEPT. Recentemente, fomos surpreendidos com trabalhos que investigam, também com certo otimismo, os benefícios do uso de psicodélicos no tratamento de pacientes com Transtorno do Espectro do Autista (TEA) e com Transtorno de Personalidade Limítrofe, mais conhecido como Borderline.

Promessas: o que já sabemos sobre os psicodélicos?

Em primeiro lugar, que não há milagre. Essas substâncias não atuam isoladamente e não são um remédio milagroso. Isto é fato. Sabemos que, junto a diagnóstico claro, acompanhamento médico e psicológico, de acordo com protocolos em fase final de desenvolvimento, há avanços consideráveis. O LSD tem ajudado no tratamento de ansiedade associada a doenças com risco de vida, no tratamento de dores como por exemplo a cefaléia de sálvia e também para o tratamento de Alzheimer e de Demência; o MDMA, no TEPT e em terapias de casais; a Ibogaína apresenta sucesso no tratamento de dependência de drogas e de opiáceos; o DMT, em depressão resistente a tratamento; a Cetamina também atua na depressão resistente a tratamento, no tabagismo e no transtorno por uso de álcool; a Psilocibina, no sofrimento existencial em pacientes com câncer em estágio avançado e na depressão associada ao sofrimento do fim da vida em geral. Estudos mais recentes, publicados nos últimos dois anos, e ainda em fase inicial, apontam o DMT com a Ayahuasca para o tratamento Borderline; a Psilocibina para os distúrbios alimentares e o TEA. Lembrando que, com a velocidade dos estudos, estas potenciais aplicações podem ser alteradas. A tabela 1 mostra um resumo dessas potenciais aplicações.

Tabela 1: Quadro de potenciais aplicações das substâncias psicodélicas.

LSD

Ansiedade associada à doença com risco de vida
Alzheimer e Demência
Tratamento de dores como a cefaléia de sálvia

MDMA

Transtorno do Estresse Pós-traumático – TEPT;
Terapia de casais

Ibogaína

Dependência de drogas
Dependência de opiáceos

DMT

Depressão resistente a tratamento

Cetamina

Depressão resistente a tratamento

Psilocibina

Depressão resistente a tratamento
Tabagismo
Transtorno por uso de álcool
Sofrimento existencial em pacientes com câncer em estágio avançado
Depressão associada ao sofrimento do fim da vida em geral
Novas pesquisas com:

Ayahuaska – DMT

Borderline

Psilocibina

Distúrbios alimentares
Transtorno do Espectro Autista – TEA

Essas substâncias, quando utilizadas de forma adequada, prometem auxiliar nos tratamentos dessas questões psicológicas e psiquiátricas. Sabemos, também, que os resultados são melhores ainda quando o uso de substâncias é acompanhado por um processo terapêutico, que começa no preparo, passa pelo acompanhamento durante as sessões com substâncias passando por sessões intermediárias e de integração.

Fato relevante é que as pessoas que já tiveram oportunidade de passar por esses tratamentos apontam as experiências psicodélicas como uma das mais importantes de suas vidas. Mesmo que sofridas, as experiências podem ser marcantes. Há uma máxima no mundo psicodélico: “difícil não é necessariamente ruim”. Não vá achando que o tratamento psicodélico vai resolver todos os seus problemas, nem que terá uma linda e iluminada experiência. Muitas vezes as experiências podem ser muito desafiantes. Está no enfrentamento dos desafios parte do seu potencial transformador.

Estudos comparando neuroimagens ajudaram a confirmar o efeito dos psicodélicos na irrigação do cérebro e corroboraram a ideia de que a forma como fornecemos energia vital ao nosso cérebro pode ser uma pista de como tratar as pessoas e de como os psicodélicos atuam. Acredita-se que eles desafiam nossa rede neural padrão e abrem possibilidade para novos aprendizados. É aqui que está a chave das potenciais contribuições dos psicodélicos. Estudo com camundongos realizado pela neurocientista Gül Dölen, do Centro de Pesquisa Psicodélica e da Consciência da Universidade Johns Hopkins, mostrou que, sob o efeito de LSD, esses animais retroagem a um padrão comportamental mais jovem e passam a preferir novidades. É como se abrisse uma janela de oportunidades para novas aprendizagens.

Nas pesquisas do instituto inglês Beckley Foundation, um dos mais importantes institutos de pesquisa psicodélica do mundo, investiga-se a hipótese de que um mecanismo chave, subjacente do efeito dos psicodélicos, aumenta o volume de sangue nos capilares do cérebro, fornecendo a ele mais energia e potencial para novas aprendizagens. Está nessa abertura potencial para aprendizagem a janela de oportunidade para permitir aos que estão em sofrimento ressignificar seus padrões. Toda ajuda é importante nesse processo de reconstrução.

Cuidados e atrasos: psicodélico não é milagre, mas precisamos deles

O renascimento psicodélico, porém, enfrenta hoje alguns dilemas. O primeiro deles é que muitas vezes esquecemos que psicodélicos não fazem milagre. Nem entusiasmo nem ceticismo ajudam nesse processo. Por um lado, o ativismo entusiasmado e, por outro, o ceticismo retrógrado.

Junto ao entusiasmo, temos o uso ilegalizado que pode trazer alguns riscos. Substâncias ilegais não são controladas e podem ter procedência duvidosa. No contexto da ilegalidade, avançam as práticas, mas não avança a educação psicodélica, o que pode colocar as pessoas em duplo risco. Além de contraindicações há diversos cuidados e formas de tratar os pacientes que podem ser negligenciados. Um exemplo é que o paciente psiquiátrico pode precisar fazer um washout, ou lavagem, de medicamentos que pode ter consequências indesejáveis ou até perigosas. As interações entre as substâncias também são motivo de precaução. Já entre os céticos, lidamos com a dificuldade para realização de pesquisas; custos com importação de substâncias que poderiam ser produzidas no Brasil, mas são proibidas; retrocesso da nossa ciência; atraso no desenvolvimento de um mercado que está em franca expansão no mundo todo. Assim, impedimos nosso desenvolvimento, intensificamos nossa dependência colonialista, sofremos com atraso tecnológico e ignoramos, por exemplo, que o DMT com a Ayahuasca é um patrimônio cultural nosso e nos colocamos à margem ou atrasados nesse processo. A pior de todas as consequências é não conseguir verdadeiramente ajudar as milhares de pessoas que precisam de novas soluções para o enfrentamento das questões de saúde mental.

É importante saber que tomar uma substância não resolve nossas vidas. As experiências trazem muitos conteúdos que precisam ser elaborados em um processo de preparo e integração que não são feitos de qualquer forma. Neste trabalho, é preciso dar apoio especializado a quem viveu experiências e necessita lidar com os conteúdos com os quais teve contato.

No momento de uma sessão com substâncias, há muitos aspectos a serem cuidados, o set, o setting e a substância são alguns deles, estes chamados de 3Ss Psicodélicos. O set diz respeito à condição da pessoa que receberá o atendimento, tanto o preparo dela quanto a conexão com os motivos de estar ali. Trata-se do mindset do paciente. O setting é o ambiente, que requer cuidados específicos para que o mesmo seja confortável, longe de riscos e que forneça tudo o que é necessário para a experiência, música, vendas para os olhos, lugar para deixar, banheiro, água, comida para o pós, temperatura adequada. Há muitos combinados e esclarecimentos sobre o setting, desde como será a música, qual a condição ideal, duração, o que pode e o que não pode ser feito. E por último, a substância que vai da escolha por qual utilizar e a dose, se vai ter um complemento após a primeira dose da sessão, em que condições este complemento será apresentado ou não. A maior parte das decisões aqui são feitas nas sessões de preparação e intermediárias, no caso de mais de uma sessão com substância.


Aqui temos
um pouco do que já sabemos sobre o uso de substâncias psicodélicas. Se você quer saber mais sobre psicodélicos, pode começar assistindo à série da Netflix Como mudar sua mente, de Michael Pollan que, em 2019, escreveu um livro de mesmo nome. No Brasil temos o importante livro do jornalista Marcelo Leite, Psiconautas que explora com profundidade os psicodélicos no Brasil. Uma outra fonte de informação é o site Psicodelicamente (@psicodelica.mente), do qual sou colaboradora.


Referências:

Nardou, R., Sawyer, E., Song, Y.J. et al. (2023). Psychedelics reopen the social reward learning critical period. Nature 618, 790–798. DOI: https://doi.org/10.1038/s41586-023-06204-3.

OMS (2023). World health statistics 2023: monitoring health for the SDGs, Sustainable Development Goals. file:///Users/flaviasantana/Downloads/9789240074323-eng.pdf (acesso em 3 de setembro de 2023).

ONU (2023). World Drug Repport: 2. Recent developments involving psychedelics. https://www.unodc.org/res/WDR-2023/WDR23_B3_CH2_psychedelics.pdf (acesso em 3 de setembro de 2023).

Pollan, M. (2018). Como mudar sua mente: O que a nova ciência das drogas psicodélicas ensina sobre a consciência, a morte, a dependência, a depressão e a transcendência. Editora Intrínseca, 2018.

Pollan, M. (2022). Como Mudar Sua Mente. [Netflix]. https://www.netflix.com/br/title/80229847?source=35 (acesso em 3 de setembro de 2023).