BEM-ESTAR PSICOLÓGICO E SUAS DIMENSÕES

A Psicologia nasce com a evolução da experiência da subjetividade e sua crise. Historicamente, a subjetividade se ampliou, e ao Homem foi permitido fazer escolhas, dada a possibilidade de mobilidade social. Contudo, também bateu em sua porta viver dores e sofrimentos intensos, como os causados por conflitos e guerras.
Com a ampliação da liberdade, também perdemos garantias. Posso escolher onde viver, em que me profissionalizar, mas também lidamos com o alto grau de responsabilidade devido às consequências das nossas escolhas e ao fato de sermos quase os únicos responsáveis por nosso sustento. Esse movimento possibilitou fundar a psicologia como ciência.
Ao longo do desenvolvimento da Psicologia científica, muitas frentes foram desenvolvidas. A psicologia está presente em vários ambientes: escolas, hospitais, gestão pública e privada, na clínica psicológica, nomeando as principais. Seu arcabouço teórico, iniciado por nomes como Allport, Skinner, Freud, Kurt Lewin, Carl Rogers e muitos outros, cresceu na busca pela compreensão do funcionamento da mente e do comportamento humano. Mais do que tratar doenças e diagnosticar problemas, a psicologia é uma ciência que propõe a promoção da saúde.
“Saúde é um direito humano fundamental reconhecido por todos os foros mundiais e em todas as sociedades. Como tal, a saúde se encontra em pé de igualdade com outros direitos garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: liberdade, alimentação, educação, segurança, nacionalidade etc. A saúde é amplamente reconhecida como o maior e o melhor recurso para os desenvolvimentos social, econômico e pessoal, assim como uma das mais importantes dimensões da qualidade de vida.” (Paulo M. Cruz, 2010)
O conceito de Bem-estar #Psicológico (BEP) desenvolvido por Carol Ryff (1995), intimamente relacionado com qualidade de vida, nos ajuda a compreender o que devemos considerar para avaliar e ampliar nossa relação com o viver. O BEP inclui seis conceitos:
·     autonomia: sentir confiança nas próprias opiniões, mesmo que contrárias a consensos gerais;
·     domínio do ambiente: no geral eu me sinto no controle das condições em que vivo;
·     crescimento pessoal: sinto que é importante ter novas experiências que desafiem o que penso sobre mim e sobre o mundo;
·     relações positivas com os demais: as pessoas me descrevem como uma pessoa disponível, com vontade de dividir meu tempo com os outros;
·     propósito de vida: algumas pessoas vagam sem rumo pela vida, mas eu não sou uma delas;
·     autoaceitação: gosto da maioria dos aspectos da minha personalidade.
Este texto tem o propósito de apresentar com detalhes cada uma das dimensões do BEP e trazer provocações para que cada um pense sobre seus pontos fortes e necessidades de desenvolvimento.


1)   Propósito de vida
Pode parecer piegas falar sobre propósito de vida, mas não é!!!
Vamos lembrar uma provocação feita pelo escritor Manoel de Barros: afinal de contas, nossa maior virtude não é sermos incompletos? 
Propósito de vida é o que preenche nossa incompletude.
Diriam Bauman (1992) e Ciampa (1997)que somos uma metamorfose identitária, mesmo que não ambulante.
Preenchemos nossa vida com significados e, com o tempo, modificamos ou repomos escolhas anteriores.
Como acrescenta Harari (2019), de Sapiens às 21 lições para o século XXI, e Wilson, em A construção social da terra, cabe só ao Homo Sapiens dar significado e valor para a sua jornada.
Diferente dos outros seres vivos que habitam a Terra, somos dotados de um “hardware” que permite downloads de novos softwares, com direito à autonomia ou não para as nossas escolhas.
E mais: se não exercermos nossas escolhas, desperdiçaremos nossa humanidade.
Para a psicologia positiva (Seligman), 1997), o propósito, seja individual, do grupo ou das estruturas, gera direção e interfere na frequência e na intensidade de nossos comportamentos.
Isto quer dizer que o propósito é uma frça que nos guia a partir das nossas escolhas e gera comportamentos na direção escolhida!
Também vale dizer que o propósito não é uma única escolha. Pelo contrário, ele se reconfigura, se metamorfoseia.
O que importa nessa metamorfose é garantir a nossa emancipação.
Assim completamos a tríade de Ciampa: identidade, metamorfose e emancipação.
Talvez seja a ideia da emancipação a mais importante fonte para pensarmos nosso propósito.
A que meu propósito responde? 
Preencho minha vida ou respondo às demandas do sistema quando exerço minhas escolhas? (Habermas, 1995) 
Meu propósito representa uma prisão ou uma libertação? (Freire, 1989 e Adorno, 1967)



 2)   Autonomia
Autonomia é um conceito que determina a liberdade do indivíduo em gerir a sua vida, efetuando racionalmente as próprias escolhas.
São sinônimos de autonomia: independência, autogoverno, autossuficiência, emancipação, soberania.
Autonomia é algo desejado e possui relação direta com o BEP. Traz a sensação de que estamos no nosso caminho, realizando nossas escolhas por nós mesmos, não sendo levados em direções socialmente impostas ou desejadas por outras pessoas, e não por quem decide e vive as consequências dessas escolhas.
É muito importante dizer que o conceito de autonomia deve considerar o limite da ética.
O ser ético é capaz de medir os prós e contras de uma situação para chegar a uma resolução que considere justa.
O ser autônomo tem liberdade até quando a integridade de suas decisões respeita a si mesmo, os outros e a sociedade.
O exercício da autonomia também não é simples.
Muitas das nossas escolhas são influenciadas por vieses e por nossas relações sociais.
Autoconhecimento ajuda a aprofundarmos a análise das nossas escolhas.
Sempre é bom lembrar que escolhas implicam em ganhos e perdas.
Para conseguir aceitar as perdas necessitamos maturidade, isto é, de resiliência.
Qual o meu grau de autonomia? Tenho consciência das minhas escolhas?


 3)   Crescimento pessoal
Maslow ampliou nossa consciência sobre a motivação humana relacionada ao crescimento e sua relevância para o desenvolvimento humano.
As motivações que visam ao crescimento mencionadas por Maslow são: cognitivas, estéticas, de autorrealização e de autotranscedência.
O crescimento causa o desenvolvimento das crianças e é e. Energia propulsora para o desenvolvimento de movimentos sociais que fundaram momentos históricos, como o aperfeiçoamento da navegação, o advento do Iluminismo, da Revolução Industrial e a ciência propriamente dita. A pedra filosofal que embasa o conhecimento humano científico é fruto da necessidade humana, universal, por conhecimento. Queremos conhecer e compreender as coisas.
A satisfação gerada pelo conhecimento mostra-se proporcional à insatisfação que domina os desempoderados.
A maior parte dos comportamentos humanos é aprendida por meio da imitação (Bandura, 1977).
Aprendemos também a linguagem (Chomsky, 1968), a moral (Kohlberg, 1976), a compreender o mundo por diversos conhecimentos disponíveis.
O PROCESSO DE APRENDIZAGEM REQUER ENERGIA!
A Teoria U, de Otto Scharmer (2017), mostra o quanto aprender, como um processo de mudança, requer energia.
O processo de aprendizado representa passagens por vales de desorientação, dúvidas e incômodos que só quem os supera pode sentir seus benefícios.
Por isso, avançar em direção ao crescimento nos faz driblar o desconhecido.
Os processos individuais, grupais e estruturais de aprendizado serão eternamente desafiantes e compensadores.
E mais: o aprendizado é uma viagem eterna!
O que você quer aprender agora?


4)   Autoaceitação
Autoaceitação é aceitar a si mesmo, gostar de quem você é e aceitar suas escolhas.
Repercute na autoestima, sendo um dos itens do BEP.
Tem clara relação com os outros itens do BEP: propósito, autonomia, domínio do ambiente e relações positivas com os demais.
Aceitar-se não quer dizer que finalizamos nosso projeto de vida ou que não tenhamos mais o que fazer ou modificar. Somos um projeto sempre inacabado, que vive em constante metamorfose (Ciampa), 1997.
Da mesma forma que nos aceitarmos como somos pode ser reconfortante, convivemos sempre com a inquietude, de preferência saudável, de sermos eternos vir-a-ser.
É saudável tanto acolher os passos dados no passado quanto estar preparados para novas bifurcações que requeiram novas escolhas.
Porém nem tudo é um mar de rosas: precisamos reconhecer o que nos desagrada no passado para conquistar as mudanças necessárias.
Assim como aceitar que, no passado, fizemos o que foi possível.
É essencial lembrar que sempre agimos em busca do atendimento das nossas necessidades, que são humanas e universais, como a nutrição, o conforto, a segurança, a interdependência, a compaixão, o sentido, o entendimento, o descanso e a diversão. (Marshall Rosenberg, 2000)
Uma fonte de autoaceitação é o reconhecimento desses motivadores ou a capacidade de avaliarmos novas estratégias, que auxiliem a realizar nossas conquistas de modos mais alinhados com nossos valores.


5)   Domínio do ambiente
O domínio do ambiente refere-se às facetas de segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e sociais, oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, participação e oportunidades de recreação, lazer e ambiente físico como poluição, ruído, trânsito, clima e transporte (Organização Mundial da Saúde – OMS). 
Pesquisas destacam que fatores ambientais, como saneamento básico, segurança pública, cuidados com a saúde e sociais, poluição, trânsito, transporte e clima interferem negativamente na Qualidade de Vida (QV) das pessoas – tema delicado para algumas populações, por exemplo a brasileira.
Prover a vida e conseguir boas condições financeira, de moradia e cuidados básicos de saúde e lazer são primordiais para nós, humanos. 
A nossa relação com o ambiente precisa superar o tempo presente, pois precisamos pensar na vida de hoje e na de amanhã.
Os conceitos de BEP se entrelaçam, uma vez que o domínio do ambiente requer relação com a escolha do propósito, #nvestimentos educacionais, que consolidam a sensação de crescimento, e conquista de autonomia.
Não podemos ter a ilusão de que podemos controlar tudo em nossa vida, mas algumas escolhas precisam ser feitas.
Como nos alerta a psicologia positiva, os nossos focos alteram a intensidade e a frequência dos nossos comportamentos e trazem, também, senso de direção.
Nessas escolhas, ampliamos ou perdemos o domínio da nossa relação com o meio.


6)   Relações positivas com os demais
O prazer em dividir o tempo com o outro pode acontecer por pura extroversão ou ser reflexo de bem-estar psicológico (BEP), mas a primeira não garante o segundo.
Não é porque sou falante ou comunicativa que posso ser vista ou ter uma autoimagem de quem tem boas relações com os outros. Muitas vezes, a extroversão pode ser fonte de dificuldades para o bem-estar, pois os excessivamente extrovertidos podem depender demasiadamente de parcerias e trocas – o que pode ser fonte de desajustamento. O excesso de extroversão também pode dificultar a relação com o outro ou impactar negativamente a capacidade de escuta. O mesmo pode ocorrer com os introvertidos, porém a introspecção não é sinal de dificuldades nos relacionamentos.
Nossa complexidade requer um olhar mais apurado sobre a forma como nos relacionamos com os outros e como isto pode ser mais ou menos saudável.
De qualquer forma, relacionar-se com os demais é uma necessidade humana universal (Marshall Rosenberg). Entre elas temos as de parceria, contato, amor, compaixão, comunidade, contribuição. A vida coletiva constitui nossas vidas; isolados não nos desenvolvemos, não sobrevivemos e até mesmo enlouquecemos. Por isso a solitária é uma forma de tortura, e “A felicidade só é real quando é compartilhada”, como registra Alex Supertramp (Christopher Johnson McCandless), retratado no livro Natura Selvagem, de Jon Krakauer.
A forma com que lidamos com os demais revela nossos valores, personalidade, cultura e história de vida.
Nossa reputação faz parte da nossa personalidade, isto é, a soma daquilo que acho que sou, com o que o outro pensa de mim.
Pessoas que abertas à conexão e que compartilham a vida tendem a reportar melhor BEP.

E você? Como você se relaciona com as pessoas? Como você pode trabalhar melhor as parcerias que faz na vida?
Nas próximas sérias de textos vamos falar sobre Comunicação Não-Violenta (CNV)! A CNV é uma ferramenta essencial para ampliarmos nosso BEP. Aguarde os próximos capítulos.

Agradecimentos:
@Andrea Alvisi – pela edição das imagens
@ Valéria Diniz – pela edição do texto
@Grupo BEP (ESPM e CNPq) – pelo estudo do tema